quinta-feira, 2 de maio de 2013

A inflação na mídia em 2013

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A Lei de Godwin diz que “à medida que uma discussão online cresce, a probabilidade de que surja nela uma comparação envolvendo o nazismo ou Hitler se aproxima de 1 (100%).” No caso da escalada da inflação em 2013 esse ponto foi atingido no dia 18 de Abril, com a reportagem “Como a inflação criou Hitler”, da Superinteressante. O artigo descreve muito bem como o processo de hiperinflação vivenciado pela Alemanha no período após a primeira guerra mundial possibilitou a ascensão de um líder nazista ao poder – Adolf Hitler.

A princípio, trata-se de mais uma matéria interessante a respeito de um assunto relevante da economia e da história. Mas nenhum texto é escrito no vácuo. Não por acaso, o texto surge exatamente no momento em que estamos no auge da exposição midiática de um problema que mexe com imaginário popular brasileiro – o retorno da inflação.

Fonte: IBGE. A inflação dos alimentos no primeiro trimestre foi mais forte em 2013 do que havia sido em 2012.

A preocupação com a escalada da inflação no início de 2013 é justificável. A inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou quase 2% apenas no primeiro trimestre de 2013. Nos três primeiros meses de 2012, para efeito de comparação, o índice estava na faixa de 1,2%. Os alimentos constituem o item mais importante da cesta de bens da população, representando quase um quarto do consumo das famílias. Além disso, a população mais pobre gasta uma parcela maior da sua renda com alimentação do que os mais ricos. É por isso que a inflação no preço dos alimentos é tão crucial. E, no primeiro trimestre de 2013, o preço dos alimentos apresentou uma elevação bastante acentuada: de 4,6% (contra 1,3%, em 2012). Mas os alimentos não foram os únicos itens que apresentaram elevações no preço. Em início de ano, é normal que alguns preços, como os relativos a gastos com educação e transporte, sofram ajustes. No caso dos transportes públicos, os reajustes das passagens tendem a ser ainda maiores esse ano pelo fato de 2013 ser o primeiro ano do mandato dos prefeitos. Ou seja, é inegável que houve uma guinada dos preços, resultando em um processo inflacionário que não pode ser negligenciado.

Ana Maria Braga, preocupada com a inflação dos produtos agrícolas.

Mas, o que assusta mesmo, é que certos personagens que não costumam se envolver em assuntos de política econômica começaram a demonstrar sua preocupação com o assunto. O exemplo mais surpreendente talvez venha da alta nos preços dos tomates. No início, o assunto não passava de motivo de piadas pela internet. Até que, no dia 10 de Abril, a apresentadora Ana Maria Braga apareceu em seu programa matutino na TV Globo adornada com um colar de tomates, como se fosse de ouro, protestando contra a elevação no preço do produto. De fato, de janeiro à março, o preço do tomate subiu 60%. É, sem dúvida, um dado impressionante. Mais intrigante ainda é considerar que em meados do ano passado o preço do tomate também teve uma elevação e que em apenas um mês, julho, o preço subiu mais de 50%, sem que isso chamasse na época a atenção da apresentadora. O que mudou, de lá para cá?

Fonte: IBGE. O tomate é um produto agrícola com ciclo produtivo de 90 dias. É normal que seu preço apresente oscilações ao longo do ano.

Desde 2011, ocorreram reduções sistemáticas da taxa básica de juros, a Selic – caindo de 12,5%, em agosto de 2011, para 7,25% em outubro de 2012. Não foi um caminho fácil. Regras da poupança tiveram que ser revisadas. E houve muita pressão para que a taxa de juros voltasse para o mesmo patamar elevado de outros tempo. É nesse contexto, de pressão para elevação da taxa básica de juros, que se inserem as recentes notícias e reportagens sensacionalistas a respeito da inflação.

Fonte: Ipeadata. De setembro de 2011 até abril de 2013, a taxa Selic só caiu.

Como a Selic influencia a inflação?  (for dummies)

Às vezes nos esquecemos disso, mas o dinheiro é uma representação de mercadorias reais. É como aprendemos no curta metragem “Ilha das Flores”, de 1989:
"Até a criação do dinheiro, o sistema econômico vigente era o de troca direta. A dificuldade de se avaliar a quantidade de tomates equivalentes a uma galinha e os problemas de uma troca direta de galinhas por baleias foram os motivadores principais da criação do dinheiro. A partir do século III A.C. qualquer ação ou objeto produzido pelos seres humanos, frutos da conjugação de esforços do telencéfalo altamente desenvolvido com o polegar opositor, assim como todas as coisas vivas ou não vivas sobre e sob a terra, tomates, galinhas e baleias, podem ser trocadas por dinheiro."
Ao invés de trocar tomates por galinhas, e galinhas por baleias, trocamos todas essas mercadorias entre nós utilizando dinheiro. Portanto, todo o dinheiro disponível em uma economia representa um bem concreto, uma mercadoria que existe, que foi produzida. Desse modo, a quantidade de dinheiro é sempre idêntica à quantidade de bens produzidos. É isso o que o dinheiro significa. Mas, o que aconteceria se a quantidade de dinheiro disponível aumentasse de repente, sem que houvesse um aumento na quantidade de bens? Os preços dos bens disponíveis se elevariam proporcionalmente, até o ponto em que a quantidade de dinheiro voltasse a ser idêntica à quantidade de bens. Chamamos esse aumento de preços de inflação.

 Ilha das Flores, preocupada com o preço do tomate before it was cool.

Acontece que nós não utilizamos “dinheiros”. Utilizamos moeda. É possível que a quantidade de dinheiro aumente sem que sejam impressas novas moedas? Sim. Isso acontece quando, em uma economia, os gastos aumentam em um ritmo maior do que a produção. Por exemplo, de repente, as pessoas podem passar a consumir mais, sem que se produzam mais bens. Como a quantidade de moedas também não aumentou, isso significa que a mesma nota será repassada mais vezes em um determinado período de tempo, à medida que as mercadorias vão sendo vendidas em um ritmo mais acelerado. As moedas são reutilizáveis. A mesma moeda de, por exemplo, R$1,00, pode ser utilizada várias vezes ao longo de um mês. Se ela for utilizada 10 vezes, é como se houvessem 10 moedas de R$1,00 descartáveis. Ou seja, uma moeda de R$1,00 representou o equivalente à R$10,00, em um mês. Se ela for utilizada 20 vezes, por causa do aumento do consumo, por exemplo, ela representou o equivalente à R$20,00. Na prática, a mesma quantidade de moedas representou um valor maior de dinheiro. Mas não é possível que ela represente uma quantidade maior de mercadorias porque não houve aumento da produção. Assim, o valor em dinheiro das mercadorias, isto é, seu preço, aumenta, de modo que a quantidade de dinheiro continue idêntica à quantidade de bens. Chamamos esse aumento de preços de inflação.

Portanto, a inflação pode ser resultado de um superaquecimento da economia, que causa um excesso de moedas em circulação. A Selic remunera os títulos da dívida pública. Ao elevar essa taxa de juros, o Banco Central consegue diminuir o montante do dinheiro em circulação, porque as pessoas terão um incentivo maior para comprar títulos do governo ao invés de gastá-lo em consumo. Ao mesmo tempo, a Selic funciona como uma taxa básica de juros para o crédito. Com a Selic mais alta, os juros para os devedores aumentam, o que desincentiva a obtenção de créditos e acaba esfriando a economia.

Por outro lado, taxas mais baixas de juros permitem o crescimento da economia e tornam os investimentos mais atrativos. E é por isso que o governo tem feito esforços para que a taxa de juros permaneça em um nível relativamente baixo. Assim como Delfim Neto, o governo entende que não é possível sacrificar o baixo nível de desemprego em prol do controle da inflação. Em sua coluna no jornal Valor Econômico, o economista disse que:
quando sugere cautela antes de apressar-se a aumentar a taxa de juro real, mas demonstra disposição de fazê-lo se necessário, a autoridade monetária brasileira está mais afinada com o mundo real do que os seus críticos.”

Pode-se intuir que a pressão para a elevação dos juros é feita pelos detentores de capital especulativo, também conhecidos como rentistas. A taxa de juros Selic remunera os títulos da dívida pública, sendo que a maior parte desses títulos pertence a fundos de investimento, seguradoras e instituições financeiras. Exatamente por se tratarem de títulos públicos, eles possuem um baixíssimo risco. A queda da taxa de juros implica em uma queda dos ganhos livres de risco dos rentistas. É por isso que lhes interessa a elevação da taxa de juros. Eles não estão interessados em investimentos que resultem em aumento dos níveis de produção, estão interessados apenas obter o maior rendimento financeiro com o menor risco possível. Em outras palavras, eles estão comprometidos com ganhos no curto prazo e não com o crescimento a longo prazo.

Inflação: um problema de longo prazo

Cabe dizer que a inflação crônica é um fenômeno comum em países subdesenvolvidos, como o Brasil. No nosso caso, além dos motivos temporários que possam existir, ela também decorre de causas estruturais - é resultado de deficiências de infra-estrutura, gargalos produtivos e baixas taxas de investimento – esses sim problemas que deveriam ser prontamente atacados. Aliás, o governo vem tomando algumas medidas para combater a inflação. Em janeiro, foram anunciados cortes nas tarifas de energia elétrica, tanto para residências como para a indústria. Em fevereiro, foi criado um conselho interministerial para formar estoques de alimento com o objetivo de atenuar as oscilações nos preços dos produtos agrícolas. Em março, a presidenta Dilma anunciou que todos os produtos da cesta básica estarão livres dos impostos federais. Finalmente, no início de abril, foi sancionada uma lei que desonera a folha de pagamentos de empresas do setor de serviços, dentre outros setores. E ontem, a presidenta Dilma, em seu pronunciamento sobre o Dia do Trabalho, garantiu mais uma vez que não irá descuidar nunca do controle da inflação, mesmo que tenha que enfrentar interesses poderosos, porque essa é uma luta “constante, imutável, permanente”. 

Atualmente, a inflação, além de ser resultado dos problemas estruturais já citados, parece ter menos a ver com um superaquecimento da economia do que com a recente formalização do emprego e elevação do salário mínimo. Juntos, esses dois fatores elevaram os custos dos produtos e serviços intensivos em trabalho. Além disso, ocorreu uma desvalorização do Real a partir do segundo semestre de 2011, causando aumentos proporcionais nos preços dos produtos importados.

Fonte: Banco Central do Brasil. Quanto maior a taxa de câmbio, mais desvalorizado está o Real em relação ao Dólar. Um dólar custava cerca de R$ 1,60 em 2011. A partir de meados de 2012 seu preço subiu para algo em torno de R$ 2,00.

Quanto ao preço dos alimentos, existem outras medidas que parecem mais razoáveis para o combate sustentável da inflação do que a elevação da taxa de juros. Porém, essas medidas não encontram o mesmo espaço na mídia tradicional. A página do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), por exemplo, apresenta uma possível causa para a alta no preço do tomate: a política agrária favorece as exportações do agronegócio, como a cana e a soja, colocando o abastecimento interno em segundo plano. Além disso, seria necessário fortalecer a agricultura familiar, responsável por 70% da produção de alimentos consumidos pelos brasileiros. Por mais estranho que pareça, a Ana Maria Braga foi mais sensacionalista do que o MST!

Assim, embora a inflação seja um problema relevante, não parece razoável utilizá-la como instrumento para pressionar uma elevação na taxa básica de juros, como vem fazendo a grande mídia. A alta da inflação deveria, isto sim, levar a discussões sobre os problemas de infra-estrutura e baixo investimento enfrentados atualmente pelo Brasil.





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Obs: Por último, convém dizer que a Superinteressante também produziu outro artigo que discute as causas dos altos preços no Brasil e leva em conta os problemas estruturais. Mas eu ainda acho que ela poderia ter mostrado que há interesses em jogo quando falamos da taxa Selic.
Segue link: http://super.abril.com.br/blogs/crash/pagina-exemplo/

Obs. 2: Há muitos interesses em jogo. O presidente da CUT, Vagner Freitas, comentou sobre as críticas que Aécio Neves (PSDB) fez após o pronunciamento da presidenta no Dia do Trabalhador, na Rede Brasil Atual:

“Ficamos muito preocupados com propostas que possam criar clima inflacionário. Existe uma corrente conservadora que quer criar clima inflacionário para dizer que o governo perdeu o controle para utilizar isso na campanha do ano que vem.”

4 comentários:

  1. Olá,
    Vi que um amigo em comum curtiu sua postagem no facebook e vim ler de curiosa. Muito bom o texto, Parabéns!
    Patrícia

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  2. "Abaixo a censura. Liberação de comentário anônimos já!" Jamile

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