quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Música etíope moderna - Indiana Jones, Ras Tafari e Elvis

No nono século a.C., a Rainha de Sabá visitou o Rei Salomão, de Israel. O encontro está registrado no segundo livro dos Reis - um dos 66 livros que compõem a Bíblia*. O que a Bíblia não conta é que, de volta à sua terra natal, a Rainha teve um filho chamado Menilek, cujo pai seria o próprio rei Salomão. Mais tarde, Menilek visitou seu pai em Jerusalém e trouxe consigo a arca da aliança - aquela mesma que, anos mais tarde, Indiana Jones encontraria no Egito (chamada no filme de "a arca perdida"). O fato é que, em 1270, iniciou-se uma nova dinastia que iria dominar a região da Abissínia, atual Etiópia, por mais de 8 séculos. O novo rei, Yekuno Amàlak se auto-proclamava descendente direto do rei Salomão. A dinastia só teve fim quando o Imperador Haile Selassie I, mais conhecido como Ras Tafari (é isso mesmo), foi deposto do trono, em 1974. Nesse meio tempo, a Etiópia entrou em guerra contra Portugal e contra muçulmanos no século XVI, foi invadida pela Itália durante a Segunda Guerra Mundial e ainda recebeu tropas enviadas por Cuba.


Parece até difícil dizer o que realmente aconteceu e o que é lenda nessa história toda. Mas esse primeiro parágrafo serve apenas pra mostrar como a Etiópia - o único país africano que nunca foi colonizado -  é um país singular, com uma história rica e cheia de lendas que são ao mesmo tempo estranhas e surpreendentemente familiares para o Ocidente.

Sua cultura única é fruto de uma bem dosada mistura de isolamento e cosmopolitanismo. A Etiópia se localiza em uma região de difícil acesso, porém estratégica: entre o Egito e o Mar Vermelho. Isso permitiu um contato com diversas culturas, como a cristã, a muçulmana, a judaica e a africana. Ao mesmo tempo, a topografia da região promovia um isolamento natural, já que algumas regiões chegavam a ficar virtualmente ilhadas nas duas temporadas anuais de chuva.


Essa cultura resultou no surgimento de um gênero musical autenticamente etíope e moderno. Entre as décadas de 50 e 70, se popularizaram diversas big bands, muitas vezes lideradas por cantores de sucesso, que a princípio tocavam músicas tradicionais etíopes, mas em um formato compatível com os instrumentos próprios do jazz. Nascia um estilo único e cheio de suíngue - o Ethio-jazz, cujo principal expoente foi Mulatu Astatke. Já o cantor Alemayehu Eshete pode ser considerado o Elvis etíope.


Essa música moderna etíope é, assim como toda a sua cultura, única e ao mesmo tempo estranhamente familiar. Em 1997, o selo francês Buda Musique lançou a série Éthiopiques, responsável por  apresentar ao mundo verdadeiras pérolas da música etíope.


Convido todos a ter um contato inicial com essa música riquíssima através da seleção abaixo:





Embora haja grande polêmica acerca da veracidade dos relatos bíblicos, em geral eles são aceitos como de algum valor histórico. Um dos motivos para isso, além de provas levantadas pela arqueologia moderna, é a marcante candura dos escritores, que relatavam as vitórias de Israel mas também não poupavam nem a si mesmos e nem aos seus reis quando se tratava de descrever suas respectivas fraquezas e falhas. Em outras palavras, o Rei Salomão (1002 a.C. - 931 a.C.) era mais flexível com seus biógrafos do que o Rei Roberto Carlos (1941 - presente ).